terça-feira, janeiro 20, 2004

A senhora e as amigas da senhora (dos serviços públicos)

Há coisas que não consigo compreender. Mas que fatalmente acontecem. Porque é que quando estamos num sítio público, seja uma repartição de finanças, um banco ou uma biblioteca (mas neste caso imaginem uma biblioteca, silenciosa e pejadinha de gente), e precisamos de uma informação ou de um esclarecimento, e estamos com pressa (factor este não essencial, mas a considerar, vide Alberto Dias Carvalho), há sempre uma senhora de meia-idade do outro lado do balcão, com um cabelo muito mal pintado, com um penteado que já era retrógado nos anos 50, e com uns óculos do tamanho do buraco do ozono por cima do Pólo Sul, que a)insiste em não nos atender e b)na eventualidade de Deus descer à Terra e conceder o poder de acontecerem milagres e, consequentemente, sermos atendidos pela dita senhora, fala-nos tão, tão, mas tãaaaaaaaaao baixinho que é impossível ouvi-la, quanto mais percebê-la; entretanto ela cansa-se de repetir os "não-sons", vira-nos as costas e pimba, lá temos nós que esperar que Deus desça de novo à Terra e que os milagres se dêem de novo para podermos ser atendidos. (ainda dizes tu que Deus não ajuda, Eskinado!!)

Mas o mais curioso é que se eventualmente cometemos algum erro, ou temos uma dúvida que é mais que básica para o comum dos mortais, ou precisamos de uma informação potencialmente embaraçosa, a voz da tal senhora ganha proporções colossais, contornos épicos e dimensões biblícas!!!, e de repente o termos queimado a última cópia original dos Lusíadas, ou o precisarmos de saber onde é que é a casa de banho ou ainda o quanto custa uma embalagem de preservativos XXL, são todos assuntos públicos e do conhecimento de toda a gente que estiver nas imediações! E é impossível parar a senhora neste momento. O mundo podia ruir, mas a "matraca" da dita cuja não pára nem por um segundo nem diminui a intensidade do som. E quando já todo e qualquer ser vivo num raio de dois quilómetros já ouviu a senhora, e inclusivé até já cessaram as gargalhadas e/ou olhares e comentários de reprovação, eis que do nada aparecem as AMIGAS DA SENHORA; vindas de outros serviços públicos, estes espécimes conseguem desafiar e dominar a física quântica de modo a deslocar-se instantaneamente de um sítio para outro (não obstante nunca estarem onde precisamos quando precisamos delas), e chegam no preciso momento em que a senhora está a acabar de contar a mesma história pela 39875ª vez, e prestes a começar a 39876ª. Ouvem atentamente, movendo ocasionalmente a cabeça em sinal de reprovação e é quando a senhora acaba de contar a história que, incrivelmente, tudo se cala. O silêncio retorna, e quando nós, estupefactos, nos preparamos para abandonar a sala e fugir para o Congo, eis que se viram em uníssono (há casos de vítimas inocentes que juram que a senhora e as amigas da senhora rodam apenas os pescoços, como a Linda Blair no Exorcista), aguardam dois sucintos segundos durante os quais fitam o pobre coitado que pára petrificado, e executam o golpe final: seis vozes estridentes a derramarem enchentes de "OH SANTINHO...!!" "OH MINHA FILHA!!" "AI CREDO!!" "VALHA-NOS DEUS NOSSO SENHOR!!" "TAMBÉM HAVIA UM ASSIM NO MEU PRÉDIO OH SE HAVIA..!!!" e pronto, aí a pessoa perde os sentidos e inconsciente reza para que só acorde quando estiver num hospital bem longe ou, na pior das hipóteses, na morgue (o que é um destino melhor do que o manter-se consciente perante aquelas catatuas impossíveis dos serviços públicos).

E quando caímos no erro de pedir um favor? Porque é que nunca podem fazer nada? E como é que arranjam desculpas tão criativas?
-"Olhe desculpe, é que acabei de descobrir a cura para a SIDA, a solução para acabar com a fome no mundo e ainda qual é efectivamente o sentido da vida, e precisava de as ir comunicar à humanidade mas não tenho rede no telemóvel aqui dentro, será que não poderia olhar pelas minhas coisas enquanto vou telefonar lá fora?"
-"Ai ai acho que não vai poder ser..."
-"Oh tem a certeza, não dava para dar um jeitinho, é rápido são só 5 minutinhos.."
-"Oh minha filha, mas não vês que estou atarefada?"
-"Mas mas... está a ler a "Maria" do mês passado e já se foi tudo embora não está cá ninguém, era só para não me roubarem ou estragarem a cura, a soluç..."
-"OH FILHA, tu vai lá, mas não posso olhar pelas tuas coisas, se tas roubarem paciência, ainda à uns dias lá no meu bairro roubaram um secador de cabelo ao Roberto, o traves..."
-"Mas as coisas tão atrás de si..."
-"...ti lá da zonÁi não posso, agora estou virada para a frente..."
-"Mas elas nem a um metro de distância estão de si..."
-"OH SANTINHA MAS TU NÃO VÊS QUE ESTOU COM A CADEIRA [n.d.r. daquelas cadeiras que rodam] VIRADA PARA A FRENTE?"

E quando se armam em cavaleiras da educação e protectoras do bom costume?
-"OLHA LÁ MAS TU TENS CONSCIÊNCIA QUE ESPIRRASTE?!?! TENS?!?!?! MAS TU NÃO TENS CONSCIÊNCIA QUE ISTO É UMA BIBLIOTECA E QUE QUEREMOS SILÊNCIO?!?!?!? É ISSO MESMO, ÉSSE - Í - ÉLE - Ê - ÉNE - CÊ - Í - Ó !!! SILÊNCIO!!! E NÃO ESTEJAS A OLHAR PARA MIM COM ESSES OLHOS COMO QUEM NÃO SABE DO QUE ESTOU A FALAR E COMO SE EU ESTIVESSE AOS BERROS [n.d.r. que está efectivamente] !!! É QUE ESTA GENTE FAZ MAL E DEPOIS NÃO TEM RESPEITO PELOS OUTROS E DEPOIS NEM QUEREM SER CRITICADOS E CHAMADOS À RAZÃO!!! MAS EU NÃO SOU ASSIM!!! POIS NÃO!!! OLHA LÁ E TU AÍ NO CANTO NÃO ME ESTAVAS A OUVIR??!?!? NÃO SABES QUE O RESPEITINHO PELOS MAIS VELHOS É MUITO LINDO?!?!? OLHA... (continua)"



(Imagem típica da senhora, quando acorda pela manhã e antes de cortar o buço, não se deixem apanhar!)

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