sábado, fevereiro 14, 2004

Da Tribo...



Gostava de ter sido eu a escrever, mas não, foi o Fernando Pinto do Amaral. De qualquer maneira, o homem teve uma existência em alguns pontos um pouco semelhante à minha, parece-me...

MY FUNNY VALENTINE

Cheguei a casa há pouco e amanhã
celebrarei contigo pla primeira vez
esse dia que alguém convencionou
ser para os namorados: eu e tu,
dois seres quase sonâmbulos,
afogados em histórias mal cicatrizadas
que extravasam ao longo de conversas
plas estradas nocturnas por onde fugimos
da vida que nos dói: velhos amores
refulgindo na tua memória,
na minha fantasia que os volta a viver
em ti, por ti, como se também eu
ressentisse na pele o sabor desses beijos
esvaindo-se no tempo, que lhes toca
ao de leve, com lábios de veludo,
e os arrasta num caudal de espectros,
de vagas silhuetas, na penumbra
que foi a minha vida até chegar a ti.

Pareces tão real, ainda mais real
que as ondas desse mar sempre tão cúmplice
durante as poucas horas absorvidas
entre um bar sem ninguém e o silêncio
dentro do carro, ali onde abrigámos
a nossa mágoa, a sós, fora do mundo,
e o peso gelado de um remorso
até explodir, baixinho, sob um véu de lágrimas
nos teus e nos meus olhos. Não adianta,
a vida sabe sempre acontecer
quando menos esperamos, em segredo,
e eu regresso a ti, num arrepio sem glória,
mas tão preso ao destino que nos coube,
à música do cosmos antes de nascer,
enquanto alguém dedilha num piano
os acordes febris que estilhaçam a noite
e escorrem pouco a pouco dos meus lábios
como a baba de um anjo alucinado
que só por tua causa enfim reconhecesse
o rosto mais fiel do paraíso.

Estou mas tranquilo, agora, sei que dormes
algures nesta cidade venenosa:
consigo mesmo ouvir daqui a tua
respiração submersa,
tão perto de outro corpo e já tão dentro
da minha alma. O sol nasceu,
a casa está vazia e amanhã
é dia dos namorados.



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