terça-feira, fevereiro 17, 2004

Elephant...

"Ao fim de meia hora de filme, duas personagens voltam a cruzar-se e uma sequência inicial é reencontrada sob outro ponto de vista. É aí que nos apercebemos da estrutura circular de Elephant, nunca mais se poderá sair dos corredores do liceu."

Arrisco dizer que se este filme tivesse entrado no circuito comercial das salas de cinema, provavelmente em vez de manter o simbólico nome "Elephant" (aliás, alguém sabe o porquê deste título?), seria substituído por algo ainda mais simbólico. Assim como, "Foda-se, como é que eu não vi isto antes". Sem medo.

Isto porque, em pelo menos três momentos chave de "Elephant", a nossa angústia, a nossa frustação, a nossa perplexidade e a nossa resignação face à condição humana, atingem níveis elevadíssimos, culminando numa raiva impossível de conter, e que sai um "Foda-se, como é que eu não vi isto antes". Sem medo.

Quando vemos de novo uma sequência inicial, mas por outro ponto de vista, e aquela rapariga desfocada e sem nome e que nem reparámos nela, corre, mas desta vez reparamos nela (talvez infelizmente apenas por "sermos" ela naquele instante) e sentimos que sofre e nos fustigamos por não ter reparado nela antes e não a termos ajudado, dizemos "Foda-se como é que eu não vi isto antes!".

Quando vemos o que passam aqueles dois rapazes, que os leva a chegar a um ponto inimaginável de loucura "sã", quando vemos as três miúdas que vomitam sem pôr em causa sequer o que fazem, quando vemos o quão baixo podemos descer e o quão longe deixamos as coisas chegarem, dizemos "Foda-se como é que eu não vi isto antes!". (mas poderíamos efectivamente ter visto aquelas condições antes, e ter evitado que chegassem àquele ponto?)

E finalmente, quando vemos o Alex e o Eric, de armas em punho, a passar pelos corredores, e nenhum aluno, nenhum empregado (aliás, auxiliar de acção educativa) nem nenhum professor que passe por eles repara neles, gritamos com raiva "Foda-se como é que eu não vi isto antes!".

("como é que eu não vi" em vez de "como é que eles não viram", porque afinal de contas, temos consciência que não vemos tantas daquelas coisas, e elas bem à nossa frente...)

E eu que nem sou gajo de dizer asneiras.
Enfim. É porque tem mesmo de ser. Neste caso, inevitável, puro e duro, tal como "Elephant".

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