domingo, fevereiro 29, 2004

Os filmes desta semana

"Gothika", "Training Day" e "Cidade de Deus".

"Gothika". Não é um grande filme, mas dentro do género em que se insere até que se pode considerar ser um bom filme. O argumento começa por ser banal, mas ganha uns contornos interessantes que só pecam por serem mal conduzidos até ao final, onde fica tudo muito confuso (afinal de contas como é que a Halle Berry se escapa da acusação? E o homem que ela viu na cela da Penélope Cruz, era o Diabo ou algo mais "terreno"?). A interpretação da Penélope Cruz está genial, de facto o que mais me chamou a atenção no filme. A da Halle Berry não está má, enfim, corresponde ao que lhe era pedido, embora fosse óbvio que ela não tinha grande espaço de manobra para moldar aquela personagem. Não desilude a interpretação em si, é mais a personagem que mantém durante todo o filme a mesma linha à qual Halle se teve de cingir. Uma nota: Mathieu Kassovitz, o realizador, insistiu demasiado na perspectiva de câmera por trás da Halle, com especial foco no apetecível "bottom" da menina... se, por um lado, como homem unicamente, consigo perceber (e até louvar!) a atitude, por outro lado como homem apreciador de cinema, aquilo cansa um bocado. O filme deixa-se cair excessivamente nos clichés do filme de terror, mas se não caísse seria mesmo um filme de terror? "Gothika" é leve, não veio para mudar o mundo, não é pretensioso, um bom filme para se ver com um balde de pipocas ao lado, ou com a namorada (ou com os dois).

"Training Day". Gostei do filme, embora, olhando agora para trás, não tenha nada de muito especial que valha a pena referir. Na minha opinião, claro. O Ethan Hawke tem uma prestação fraquinha (não compreendo a nomeação para o Óscar de Melhor Actor Secundário, mas também é verdade que deixei de tentar compreender há muito tempo as nomeações para os Óscares), talvez porque ofuscada pelo peso pesado Denzel Washington (oscarizado com este filme, e muito justamente). Este sim tem um "papelão", e deu-me prazer vê-lo a fazer de vilão e sem os típicos-discursos-dos-filmes-do-Denzel, em que ele tem um monólogo qualquer num momento qualquer e nos quais defende o direito à igualdade entre raças, faça ele de treinador ou de polícia ou de bombeiro ou de padre. O filme tem umas cenas de acção porreiritas embora banais, volta e meia leva-nos a pensar "será que o anjo-Denzel aqui é um grande filho da mãe que mente com quantos dentes tem na boca?" (interrogação esta não fruto deste filme mas sim de todos os outros que já vimos com ele), mas vale essencialmente pela interpretação de Denzel Washington, não passando de um filme comercial "à Hollywood", como tantos outros, com uma aparente imagem do "submundo" que serve apenas para nos tranquilizar, malta do "daylight", e nos fazer sentir um bocado mais seguros porque pensamos conhecer as regras do jogo.

"Cidade de Deus". Um filme que nos mostra o verdadeiro submundo, e não uma imagem vendida, é este. Uma grande escolha para encerrar o ciclo "Vintage 2003" que decorreu este mês no Teatro Académico Gil Vicente (já agora, começa outro para o mês que vem, com John Cassavetes e Pedro Almodovar, entre outros). Não vou escrever grande coisa sobre o filme porque reparei, na conversa que mantive com uns amigos que também foram ver o "Cidade de Deus", que tem muito mais impacto quando se o vai ver "às escuras". Ok, é sobre a favela Cidade de Deus, e então? Basta isto.

"É uma sensação maravilhosa entrar numa sala de projeção para assistir a um filme de que pouco se sabe e perceber que se está diante de uma obra-prima", escreveu Andrew Pulver, do jornal inglês The Guardian.

O filme é muito, muito bom, dos melhores filmes que eu já vi, um "must", maravilhosamente realizado (Se Fernando Meirelles não ganhar o Óscar para Melhor Realizador é uma tremenda injustiça, tal como foi a não nomeaçao o ano passado, para Melhor Filme Estrangeiro), forte, brutal, mas também bonito, poético, cómico e amoroso às vezes, como é, afinal de contas, a vivência de todos nós. Não há palavras para descrever este filme. Desde a fotografia, até à banda sonora, passando pelos actores. Tudo bom demais para ser verdade. E tem uma cena que por si só, valeria pelo filme todo. Não vi ninguém que hoje naqela sala escura do TAGV, não ficasse tocado por essa cena.

Para terminar, e parafraseando uma das frases emblemáticas do "Cidade de Deus", uma mensagem a todas as ex-conquistas que no momento de acabar com a relação não tiveram coragem de terminar tudo, antes pediram "um tempo": "Malandro que é malandro, não pára. Dá um tempo". (lembrei-me do dicionário dos pobres, n'o Mal)

(já agora, leiam isto)

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