terça-feira, junho 15, 2004

Sarau

A poucas horas de um exame fulcral, aconselha-me Goethe que "não há nada mais terrível do que uma ignorância activa". Desconfiei. Nisto surge de rompante Francis Bacon, que entre risinhos infantis me sussura ao ouvido, "nada faz um homem ter tantas suspeitas como o facto de saber pouco". Fiquei lixado, garanto-vos. Trocavam olhares indiscretos enquanto eu, farto de ser alvo de tanta chacota, pensava nalguma desculpa plausível para deixar a sala; "Sinto-me doente, vou para o meu quarto", disse. "A doença do ignorante é ignorar a sua próxima ignorância", replicou Amos Bronson Alcott. "Tú és filósofo, não és médico oh meu ganda cámone!!", repliquei, já furioso. "Vai estudar, vai estudar, vai estudar miúdo!!", não paravam de gritar. "Já estudei, já estudei, já estudei!!", discutía-mos sem cessar! A Joceline, com o engenho e arte que só uma mulher possui, termina de uma vez só a contenda, repreendendo-me autoritariamente assim: "envergonha-te menos de confessar a tua ignorância do que de teimar numa discussão tola!".

Cabisbaixo, e rendido ao meu triste destino, apresso-me a sair da sala quando, inesperadamente, se apaga a luz devido à trovoada retumbante que assombra os jardins da mansão. Oh azar dos azares, tropeço na tapeçaria e vou de encontro à parede, sem cerimónias. Ao reacender da luz, a imagem era, no mínimo, caricata: eu, caído no chão, junto à parede e agarrado à cabeça, eles (o Goethe, o Bacon, o Alcott e a Joceline) no meio da sala, impávidos e serenos. Antes que pudessem recomeçar com as tiradas espirituosas que têm o aborrecido hábito de proferir em meu detrimento (rejubilam quando gozam comigo, é incrível...), citei um dos deles (que por acaso estava atrasado, retido no trânsito parece...), Anatole France: "Sabem, mes amis, a escuridão envolve-nos a todos, mas, enquanto o sábio tropeça numa parede, o ignorante permanece tranquilo no meio da sala".

E fui-me embora!

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