sexta-feira, julho 23, 2004

(short story)

Era uma vez uma meretriz. Essa meretriz não passava de uma grande p#ta, mas a linha editorial aqui da "A Tasca" impede que a trate por p#ta, portanto chamo-lhe meretriz, que fica muito mais em conta. A meretriz não tinha ponta por onde pegar: era feia, era gorda, era estúpida, era feia outra vez, gorda outra vez, estúpida outra vez. Acéfala. Existem pessoas burras, mas a meretriz era especial: até sabia alguma coisa, mas só daquilo que lhe exigiam que soubesse. Não se interessava por nada, desde que a deixassem ser vegetal, por ela estava tudo bem. Um dia a meretriz apaixonou-se, mas nem à conta disso deixou aquilo em que era melhor: o ser uma grande p#ta, perdão, o ser uma grandessíssima e alternadíssima meretriz. Aquilo lá durou, mais coisa menos coisa, sem ninguém perceber porquê; afinal de contas, a meretriz era muito pouco interessante. Um dia, a meretriz foi abandonada a um canto, e o cavalheiro seguiu a sua vida, se bem que eternamente martirizado pela busca infrutífera de uma razão que justificasse, nem que circunstancialmente, o porquê de tanto tempo ter estado ao lado de tamanho vazio-feito-semi-pessoa. Enfim. A meretriz ficou muito abalada, mas ao contrário do que seria de esperar, continuou a sua vida de meretriz. Um dia, na sua vidinha miserável de meretriz, encontrou um jovem, na flor da idade, um dos mais promissores do seu tempo, culto, interessado e atraente, mas pouco ciente dos aspectos da vida. E assim, não reconheceu à primeira a mesquinhez e infelicidade que a rodeavam. Completamente diferente dele, sentiu-se atraído pelos atributos físicos da meretriz, ainda que impossíveis de detectar pelo resto da população. Os dias passaram e a meretriz deu-se, e deixou-se tomar, o que para o jovem era algo completamente novo. Enebriado, sonhou que aquilo que vivia era amor. Os serões no solar eram cada vez mais raros, e já não seria impossível encontrá-lo ancorado a qualquer esquina, acompanhando a meretriz. No entanto, a meretriz não esquecia o cavalheiro, não obstante o continuar a divertir-se com o jovem. O jovem seguia cego a sua musa, a meretriz usava-o, egoísta, sem reflectir sobre o que fazia. Ou não seria madura o suficiente? Continuando... a meretriz tinha a perfeita consciência do que sentia pelo cavalheiro, mas continuava a proclamar o seu amor pelo jovem. O jovem, confuso, deixava-se levar pelas turvas águas do desconhecido. A meretriz, pressionada, já lhe dizia que não o amava, mas entre olhares e bilhetes, lá lhe confessava o contrário; o que era mentira, portanto. E o jovem continuava. Os dias foram passando e o jovem foi-se afastando, enquanto a meretriz mais p#ta ficava, a cada dia que passava. O cavalheiro, que tinha ganho juízo, também se afastava mais a cada dia que passava; afastamento esse directamente proporcional ao aumento de amor perdido que a meretriz dizia que sentia pelo mesmo. O jovem agora não passava de uma miragem. Magoado, enjeitado, deixado de lado, usado para o ciúme, usado para o sexo, usado. A meretriz continua a usá-lo. A meretriz não tomou consciência ainda do que fez e do que faz, prefere viver em regime de laisser-faire e sem admitir a culpa e responsabilidades. O jovem? O jovem, não sei. Mas a meretriz, a meretriz é uma puta. 



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