terça-feira, setembro 28, 2004

Desabafo

Falar com o coração nas mãos devia ser mais fácil. Saber deixar escapar um "bom dia" sem que os olhos cristalizassem em torno das lágrimas, entregar-se ao recolhimento sempre pronto das palavras de um abraço de um beijo de uma memória de uma vida de uma saudade, às vezes de um livro de um poema, de um amigo. Procurar forças que nos tornem frígidos e secos, ao mesmo tempo que responsáveis e quentes para quem está na cama do hospital à nossa frente, para quem nos espera em casa à espera da orientação que lhes falta. Mas o silêncio e a mágoa alastram em espiral, e os dias passam e passam e vão passando, e nós vivemos um de cada vez, só um de cada vez, devagarinho, como que negando a fatalidade negra que previmos e lutamos para que não aconteça. E só nós é que o sabemos porque, definitivamente, falar com o coração nas mãos devia ser mais fácil.

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