terça-feira, fevereiro 01, 2005
Estanque
O que é uma amizade? E o que é um amigo?
Se deixarmos de lado as respostas inatas e clichés, o facto é que é extremamente difícil chegar a uma conclusão. E porquê? Sinceramente, não sei. Talvez porque sempre que celebrámos um sentimento lindo que nos parecia ser amizade, ele tranforma-se e come-nos. Ou então porque da única vez que encontrámos um amigo, perdemo-lo algures à nossa frente e nunca mais o encontrámos.
É a partir daqui que tudo se transforma: nunca mais celebramos a amizade, porque temos medo que seja um monstro disfarçado, à espera que baixemos a guarda, pronto para nos comer. E não se limita a engolir-nos - crava, morde, tritura, rasga, e deixa cicatrizes para toda a vida. Dói bastante. E não pára. Nunca. Às vezes, em privado, sozinhos com a nossa nostalgia, celebramos o universal aristotélico de amizade - o que não nos consola, antes pelo contrário.
Por outro lado, nunca mais encontramos um amigo. Nunca mais. No início é estranho; viajamos num limbo irreconhecível, irreal e psicotrópico, onde tudo é verde-escarlate, e com uma única dúvida que nos assola: fui eu que perdi um amigo ou foi ele que se quis perder de mim? E como é impossível responder a isso, rapidamente enlouquecemos. Mas o ser humano é esperto. E é no mais perfeito estado de debilidade mental que se transfigura e, como que por magia, parece reconciliado com a vida e conformado com o que se lhe depara. As pessoas passam a ser sombras, e assustam quando se aproximam. Às vezes falamos com as sombras; mas elas nunca serão um amigo.
Há assuntos sobre os quais me proibí de escrever. Mas as palavras... as palavras são para mim o estanque das lágrimas, e eu não quero chorar (já que vivo com a dor desde há muito, ao menos que ninguém o note).