segunda-feira, março 28, 2005
Um menino
Na minha escola, há muitas Páscoas atrás, havia um menino peculiar. Mirrado, cheirava mal e tinha umas unhas muito grandes e castanhas. E o que mais me impressionava nele, é que debaixo de toda a sarna e por trás daquele fedor, ele não passava disso mesmo: de um menino.
Certa tarde, e porque tinha ferrado as unhas num miúdo da turma, o menino foi mudado de lugar. Quis o acaso que fosse sentado ao meu lado. Então, dia após dia, lição após lição, e apesar do vulgar silêncio entre nós dois, era indubitável que se criasse ali uma natural cumplicidade: éramos colegas de carteira.
Como quem passa um bilhetinho, como quem fala para o colega do lado, foi assim que se virou para mim e disse, naturalmente: "A minha mãe é puta. Leva homens para casa e fode com eles na mesma cama onde me conta a história dos reis e dos dragões. Eu não me importo, porque ela diz que assim pode amar-me mais.".
Eu não sabia o que era uma puta, quanto mais o que era foder. Mas senti que era muito importante aquilo que ele tinha partilhado comigo. Anuí com a cabeça, e continuei com o trabalho. Emprestei-lhe os lápis de côr, e de repente falávamos e brincávamos. Antes do fim do ano alguém descobriu alguma coisa e ele passou a ser gozado pelos nossos colegas mais velhos; eu não percebia porquê e ele também não. Chamavam-lhe nomes e perguntavam-lhe se a mãe dele fazia coisas que eu não sabia o que eram. Assim foi, até que no final do ano lectivo se soube que ele ia embora, porque os pais dos alunos tinham descoberto que a mãe dele era prostituta. E antes de se despedir, a chorar, confidenciou-me algumas coisas. Ele não sabia que coisas eram aquelas que lhe perguntavam, ele só sabia o que a mãe lhe tinha dito: que era uma puta e que fodia com homens para o poder amar mais; mas ele não sabia o que era uma puta, ele não sabia o que era foder. Afinal de contas, debaixo de toda a sarna e por trás daquele fedor, ele não passava de um menino.