terça-feira, junho 14, 2005

desabafo caramba

Há dias em que um gajo não devia, pura e simplesmente, levantar-se da cama. Foda-se, eu ainda tentei acordar umas sete vezes, mas só às três da tarde é que consegui convencer-me que talvez valesse a pena presentear este mundo nojento com a minha pujante presença. E é que não vale; não vale quando de uma só vez o mundo em que eu acredito perde três pessoas únicas, símbolos do que me prende a estas horas, exemplos que regem os meus ideais e me transformam todos os dias, querendo ser melhor, querendo que sejamos todos melhores.

O Eugénio de Andrade... escreveu o poema mais bonito de sempre. O poema que eu uma vez escrevi a preto na t-shirt branca que levava vestida, e mostrei à mulher que amo, no meio da faculdade, e recitei de cor, como quem respira, como quem bebe da límpida água e se renasce, sente pela primeira vez que aquilo é a coisa mais certa que alguma vez se fez na vida. Ler e reler esse poema... é verdadeiramente o único momento da minha vida que tenho a certeza de ser todo ele bom, todo ele bom, todo ele merecedor e realmente certo.

O Álvaro Cunhal e o Vasco Gonçalves... são Homens, com aquele H que só a raros pode calhar. Que se FODAM OS TACHISTAS. que se FODAM OS QUE CONTINUAM A ROUBAR E A TIRAR, A QUEM JÁ NÃO TEM E NUNCA TERÁ MAIS, ALÉM DA SUA INTEGRIDADE E HONRA... QUE VALEM MAIS DO QUE QUALQUER RIQUEZA QUE LHES TIREM, MAS QUE NÃO PÕE PÃO NA MESA. que se FODAM QUEM MATA A LIBERDADE CONQUISTADA. que se FODAM QUEM DEFENDE SEM ESCRÚPULOS, HOJE AINDA, PESSOAS QUE DESDE QUE PÕEM O CÚ NO MUNDO JÁ QUEREM GOVERNAR PARA MANDAR ROUBAR PARA ENGORDAR PARA MENTIR PARA FAZER SOFRER. que se FODAM A QUEM INTERESSA QUE O MARASMO INTELECTUAL CONTINUE. que se FODAM QUEM ALINHA, QUEM PACTUA, QUEM MATA PARA NÃO MORRER EM VEZ DE LUTAR PARA QUE SE VIVA. que se FODAM.

Estas duas últimas mortes foram, porventura, das mais tristes que encerraram a minha alma (sim, porque depois dos últimos meses, foi mesmo hoje que ela fechou para obras). Lutaram por ideais e pelas pessoas, pelas pessoas que passam uma vida inteira a sofrer por outros e ninguém lhes perguntou nada; mas também pelos outros que fazem sofrer. Lutaram por todos. Por todos. Lutaram para que eu hoje pudesse estar aqui a escrever. Lutaram por tudo. Liberdade, fraternidade, igualdade! Conceitos e ideais que alguém devia incutir nestes novos "socialistas" e nos "direitolas", teóricos de merda que a bem deles não se importam de hipotecar o mínimo de muitos, de tantos.

Há hora de jantar estava com uma amiga a ver na televisão o funeral do Vasco Gonçalves. O caixão a ser levado para o cemitério e centenas e centenas de pessoas a gritar "VASCO, VASCO", "O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO", "25 DE ABRIL SEMPRE, FASCISMO NUNCA MAIS". Que sentimento é este que nunca sentiremos, nós os de agora? Que sentimento é este que vê voar um símbolo do que conquistaram, o único primeiro-ministro que esteve sempre do lado dos trabalhadores, que conquistou as tão denominadas "regalias" que agora são roubadas? As pessoas a chorar enquanto diziam isso, enquanto sentiam isso. Nessa altura e sem dizer nada, abraçámo-nos sem querer e em silêncio chorámos também. Esse sentimento é um cravo. É um cravo. E que esta sociedade continue a ser a merda que é. Que as pessoas continuem a ser a merda preconceituosa, racista, quasi-fascista e egoísta e conformada, alinhada e sem ideais, despeitada por nunca compreender e ser digna da grandiosidade que só os de bem atingem. Há-de sempre haver um casal abraçado a empunhar um cravo digno dos Homens. Há-de sempre haver um cravo.

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